Plano da China para a paz na Ucrânia
A China apresentou no passado dia 24 de Fevereiro, em 12 pontos, um plano que chamou de Plano de Paz para a Ucrânia, são 12 pontos interessantes que em algum momento fazem lembrar dos 14 pontos de Wilson que serviram de base para a criação da Sociedade das Nações que “evoluíram” para Organização das Nações Unidas, a lembrança advém pelas pelo facto de muito provavelmente a China pretender jogar um papel preponderante no Sistema Internacional, um “Role Concepcion” de agente pacifista, tal como foi com os EUA aquando da apresentação do plano de Woodrow Wilson. Antes de refletir a fundo sobre cada ponto apresentado por Pequim, seria interessante refletir no contexto histórico da apresentação deste plano:
– A China sempre se manteve teoricamente neutra, em todas as resoluções da ONU que condenavam/condenam a invasão russa a Ucrânia, tal foi o caso da última resolução que exigia a retirada imediata das tropas russas do território ucraniano, o que revela alguma tendência a defender a Rússia e a história dos dois países é prova disso;
– A China apresenta este plano depois de na semana passada, o chefe da diplomacia chinesa ter reunido com o presidente Putin, apesar de Wang Yi ter garantido que este plano já estava pronto antes mesmo da reunião com o chefe de Estado Russo, de tal modo que apresentou alguns pontos ao ministro dos negócios estrangeiros da Ucrânia na Conferência de Segurança de Munique também na semana passada dias antes da reunião com Vladmir Putin;
– A China, Rússia e a África do Sul estão desde quinta-feira passada, 23, a realizar exercícios navais que envolvem fragatas, contratorpedeiros, centenas de marinheiros e até mísseis hipersónicos ao largo de Durban, os exercícios navais vão até hoje 27 de Fevereiro.Ora, esta actividade descredibiliza a intenção de paz da China por estar a se mostrar claramente imparcial. Este é mais um agravante que poderá dificultar a “compra” esta ideia por parte do ocidente, aliás, os EUA gostam da ideia de serem a potência hegemónica, o pai da democracia e agente pacifista número 1 do mundo, de tal modo que um plano vindo de um “inimigo” como a China, seria uma ameaça ao poder norte-americano no Sistema Internacional, mesmo tendo em conta a sua frenética e quase inevitável multipolarização.
Vamos então analisar o plano ponto por ponto:
1 – O Respeito pela Soberania dos Países:
É um ponto deveras interessante, apesar de não mencionar a Rússia, a China pode estar a dizer que a soberania ucraniana foi violada, mas pode estar também a transmitir uma mensagem para a NATO de que uma possível instalação de bases militares na Ucrânia também seria um desrespeito a soberania russa, portanto, é uma faca de dois gumes. É uma abordagem neutra que pretende mostrar alguma imparcialidade no plano em destaque;
2 – O Abandono da Mentalidade da Guerra Fria:
A mentalidade da guerra fria pressuponha entre outros aspectos o conflito ideológico (socialismo e capitalismo) causando assim a bipolaridade do Sistema Internacional. A China pode estar a dizer que o mundo mudou, os Estados mudaram, a dinâmica das relações internacionais mudou, estamos em Multipolarização, as relações internacionais já não gravitam em torno da Rússia e dos EUA, agora temos também a China, a Índia, o Irão, até a Coreia do Norte cujas ações mexem com a dinâmica do Sistema Internacional, a mensagem pode ser de desafio das potências a aceitarem a nova conjuntura do Sistema Internacional, a Nova Ordem Mundial, e seria um aceitar pacífico;
3 – O Fim das Hostilidades:
As hostilidades podem ser vistas sob vários prismas, a ação russa na Ucrânia é uma hostilidade mas a visão expansionista da NATO também o é, principalmente se tivermos em conta as questões de poder que envolvem a organização. Esta é outra faca de dois gumes que Pequim apresenta ao mundo;
4 – O Regresso das Conversações de Paz:
É uma das mensagens mais fortes. O diálogo e as negociações são cada vez mais necessárias para a construção de um mundo pacífico segundo preconiza a carta das Nações Unidas; O caminho proposto pela China pode ser uma das mais rápidas saídas para o fim do conflito, entretanto, será necessário que se vençam as ambições das potências mundiais no que diz respeito a luta pela hegemonia;
5 – A Resolução da Crise Humanitária:
É uma necessidade urgente, não somente para a Ucrânia mas para todos os países e regiões em conflitos e outros tipos de crise; As guerras trazem consigo sempre este condimento, a morte de inocentes, entre idosos, mulheres e crianças, traz também a pobreza, as migrações e sem dúvidas uma crise humanitária que pelo nível dos actores envolvidos (são grandes produtores de cereais e combustíveis) acaba afectando até os países da periferia;
6 – A Proteção dos Civis e dos Prisioneiros de Guerra:
É uma proposta que encontra melhor enquadramento com a não existência de guerras, os novos tipos de guerra (que não acontecem em campo de batalhas, trincheiras como era antes) acontecem até em centros das cidades onde civis, entre eles crianças são vítimas;
7 – A Salvaguarda das Centrais Nucleares:
As centrais nucleares representam uma ameaça às sociedades, Chernobyl foi um exemplo de que uma acidente numa central nuclear pode ceifar muitas vidas. A energia nuclear que deveria ser usada para fins meramente pacíficos, é um instrumento de dissuasão entre os Estados. A proliferação de armas nucleares, apesar de ser um elemento que contribui para o equilíbrio de poder no Sistema Internacional, também deixa-o em estado de alerta, um autêntico barril de pólvora;
8 – A Redução dos Riscos Estratégicos:
Recorrendo ao liberalismo, este ponto pode ser uma mensagem de que os Estados devem continuar a dar mais atenção aos impactos dos assuntos de High Politics sobre os de Low Politics, o conflito russo-ucraniano é uma potencial ameaça a construção de um mundo pacífico, é inclusive uma ameaça externa aos esforços da Organização das Nações Unidas na criação e manutenção da paz no mundo e na recuperação do mundo numa era pós-pandemia de Covid-19;
9 – O Encorajamento às Exportações de Cereais:
Os conflitos têm efeitos não somente para os atores primários dos mesmos, num ambiente de cooperação e interdependência entre os Estados, todos saem a perder com a eclosão de conflitos pelo mundo, apesar de a China ser um dos maiores beneficiados pela guerra, pelo menos ao nível económico, visto que as sanções impostas a Russia fizeram com que as exportações chinesas para a Rússia em 2022 aumentassem em 12.8% e as importações em 43,4% mas outros Estados, principalmente os africanos enfrentam aumento de preço dos produtos básicos como resultado da não exportação regular dos cereais;
10 – O Fim das Sanções Unilaterais:
Esta pode ser uma mensagem directa e clara para o ocidente e até para as próprias Nações Unidas pelo dualidade de critérios usada para classificar as ações dos Estados no Sistema Internacional, as sanções que estão a ser aplicadas a Rússia nesta guerra contra a Ucrânia, não foram aplicados quando, por exemplo, os EUA invadiram o Iraque em 2003 e quando a NATO invadiu a Líbia em 2011;
11 – A Manutenção da Estabilidade das Cadeias de Abastecimento:
Uma mensagem clara de Pequim para a necessidade de se olhar para os impactos negativos que esta guerra traz a economia global, embora (a China) esteja a colher benefícios económicos a curto prazo, o cenário pode mudar a longo prazo se tivermos uma escalada do conflito, que para já não tem fim à vista.
12 – A Promoção da Reconstrução Pós-conflito:
Uma espécie do Plano Marshall que visava reconstruir a Europa depois da devastação pós II Guerra Mundial, pelo nível de destruição que a Ucrânia está a ter neste momento, será necessário que o Estados apoiem na reconstrução deste país. Será sem dúvidas um dos maiores desafios que a Ucrânia vai enfrentar nos próximos tempos, embora tenha algum foco de ajuda por parte dos aliados.
Por fim, estes 12 pontos representam uma tentativa de uma potência económica em ascensão se impor ao nível político no Sistema Internacional mas não se afigura uma tarefa fácil dado os antecedentes históricos e a forte relação diplomática entre a Pequim e Moscovo, este último que é parte “beligerante” do conflito com os EUIA, facto este que dificilmente permitirá que o ocidente olhe para este plano com algum optimismo, apesar de ser uma proposta que pode vir a ajudar o mundo, as relações entre os Estados são sempre movidos de interesses declarados e outros não declarados e é muito em função destes interesses que as relações internacionais acontecem.
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