Sete presidentes africanos, nomeadamente Abdel Fattah El-Sisi (Egipto), Macky Sall (Senegal), Othman Ghazali dos Comores e actual presidente da União Africana, Yoweri Museveni (Uganda), Hakainde Hichilema (Zâmbia), Cyril Ramaphosa (África do Sul) e Denis Nguesso (República do Congo) encabeçam a “task force” africana para “acabar” com a guerra na Ucrânia, esta é uma decisão bastante ambiciosa para a África como um todo visto que jogar um papel de agente pacificador no mundo representa o antigo e cada vez mais aceso desejo dos países africanos de serem uma referência ao nível do Sistema Internacional e ter alguma voz nos assuntos mais candentes do mesmo, isto é, passar de vítima e explorado para um actor relevante e activo neste processo de transformação da Ordem Mundial.
A equipa de avanço (ministros dos negócios estrangeiros destes países) para esta missão, liderada pela África do Sul, parte para Kiev esta semana com o objetivo de organizar todas as questões logísticas antes dos 7 chefes de Estado, também, viajarem para Kiev para reunir com o presidente Zelensky, a seguir, o mesmo exercício será feito em Moscovo. Ao liderar este processo, a África do Sul procura “recuperar” e manter a sua posição hegemónica em África que durante pouco algum tempo esteve beliscada, principalmente em termos militares com o surgimento do Ruanda com uma força militar que demonstra alguma astúcia nas suas incursões.
O continente africano é dos que mais sofrem com os impactos da guerra na Ucrânia pelo que esta posição dos líderes africanos e da própria União Africana é no mínimo justa. Ora, esta não é a primeira tentativa de terceiras partes se envolverem no conflito como mediadores e até facilitadores, outras estão em curso como a do Brasil que com a chegada do presidente Lula tem tentado mas com pouco sucesso através do seu plano, Clube da Paz, liderado pelo diplomata Celso Amorim, alcançar a paz na Ucrânia. Amorim, chegou a reunir com os protagonistas da guerra mas as posições divergentes entre o presidente Lula e Zelensky na última cúpula do G7 em Hiroshima no passado mês de Maio, podem minar o sucesso da iniciativa canarrinha.
A Turquia também tem tentado, desde o início do conflito, mediar o processo de paz, não alcançou o objectivo desejado, a paz, mas conseguiu colocar os protagonistas à mesa e assinarem um acordo para exportação de cereais, o que evidente ajudou a reduzir os impactos da crise nos sectores que dependem destes para a produção de vários produtos de primeira necessidade. A Dinamarca também tem tentado, apesar de ser membro da NATO, pretende jogar um papel importante neste conflito de tal modo que se propôs a sediar uma cúpula de paz em julho se a Rússia e a Ucrânia aceitarem.
A China também tem tentado e até pode se dizer que está num bom caminho, o representante especial da China para assuntos da Eurásia e ex-embaixador na Rússia, reuniu-se com Putin, Zelensky e outros líderes europeus para tentar promover o diálogo, outra grande tentativa tem sido a do Vaticano que já ajudou no processo de troca de prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia, numa empreitada liderada pelo enviado especial do Papa Francisco, o Cardeal Matteo Zuppi, que curiosamente foi um dos principais negociadores de paz na guerra Civil em Moçambique.
Vistas estas várias tentativas, um pormenor salta à vista, não há registo de qualquer país ocidental proeminente (Estados Unidos da América, França, Alemanha ou mesmo o Reino Unido) que tenha levado à cabo iniciativas para o fim da guerra, aliás, estes países que são membros da NATO são a força electromotriz para que a Ucrânia consiga resistir até hoje. Diante de tantas incursões que já estão a ser levadas à cabo no mesmo conflito e com o mesmo objectivo, o que a África pode trazer de novo por forma a conseguir finalmente ajudar as partes a assinarem o acordo de paz? Quais são as possibilidades de os líderes africanos terem sucesso nesta guerra, vejamos os seguintes cenários:
- A larga maioria dos países do continente africanos têm boas e fortes relações diplomáticas e históricas com a Rússia, relações estas que partem desde o tempo das guerras contra o colonialismo em que a Rússia, na época União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, foi um dos principais parceiros destes países nas lutas pela independência, de tal modo que depois do alcance das independências, os mesmos se tornaram de ideologia socialista; Este elemento pode favorecer os líderes africanos nas suas empreitadas, mormente por a África ser um continente cheio de riquezas que o mundo precisa e pode ser uma vantagem estratégica para as partes cederem algumas das propostas africanas e ganharem algum destaque nas futuras relações diplomáticas com os países africanos e com o continente como um todo;
- As relações diplomáticas com a África – Ucrânia são relativamente mais recentes e menos fortes quando comparadas com as África – Rússia, mas este elemento pode não ser tão suficiente para uma má recepção das propostas africanas por parte de Kiev, a Ucrânia tem igualmente, aspirações em ter boas relações com o continente africano;
- A iniciativa africana, apesar de não ter total apoio do ocidente, pode representar uma oportunidade ímpar para o continente como um todo ser visto com outros olhos pelo mundo a fora, talvez seja este o caminho para a tão ambicionada reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas;
- A larga experiência africana na resolução de conflitos, pode ser uma vantagem para esta iniciativa, ainda que não pareça, a África tem muito por ensinar ao mundo.
Actualmente, o conflito está numa fase de muitas incertezas, a Ucrânia tem conseguido, com o apoio da NATO, levar à cabo algumas ofensivas nas zonas controladas pela Rússia, é uma contra-ofensiva que deixa Kiev um tanto quanto animada tendo em conta que se está a ter segundo a média ocidental. Outro elemento que pode determinar o curso da guerra e da iniciativa africana é o surgimento do grupo anti-Putin (Legião da Liberdade da Rússia) que tem lutado ao lado das forças ucranianas dentro do seu território e em algumas localidades russas próximas a fronteira com a Ucrânia, numa clara mensagem de que a guerra está a escalar para um outro palco, o território russo, e as consequências podem ser devastadoras.
Estes acontecimentos, apesar de não serem decisivos para o sucesso da Iniciativa Africana para a Paz, podem influenciar esta empreitada, ou para o em, ou para o mal. O aspecto interessante nesta iniciativa africana é a ausência de Moçambique, o facto de o país estar a representar a África no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é por si só uma oportunidade ímpar para destacar as ambições africanas e o CSNU é por si só um palco deveras indispensável para os Estados menos destacados fazerem uso e ajudar na construção de um mundo melhor. Não que Moçambique não esteja a tirar proveito da posição que ocupa actualmente mas esta causa africana deveria, sem sombra de dúvidas, ter o “cunho” do país africano presente no CSNU mas outros motivos podem ter pesado para que tal não acontecesse.
Neste momento, apenas nos resta aguardar os próximos dias e os resultados da Iniciativa Africana para a Paz na Ucrânia.
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