A Rússia tem se tornado a força electromotriz do frenético processo de transformação da actual Ordem Mundial que como se tem dito por quase todos os meandros de análise de política internacional está a se tornar multipolar, o que constitui uma clara oportunidade para a inserção político-económica dos países do Sul Global.
Encontro-me na Rússia desde o passado dia 29 de Fevereiro para uma série de actividades que vão coincidir com o processo eleitoral que terá lugar em todo o país (incluindo as novas regiões de Donestk e Lugansky) de 15 a 17 do corrente mês. Desde a minha chegada, tive a nobre oportunidade de acompanhar a “ressaca” de um dos maiores eventos do sul global, o segundo Congresso do Movimento Internacional Russófilo e Fórum da Multipolaridade, o evento reuniu, em Moscovo, cerca de 350 representantes de 130 países da Ásia, Europa, África, América Latina e América do Norte. Dada a sua magnitude, a abertura do evento foi feita pela representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova que na sua intervenção disse “A transição da comunidade internacional para uma nova ordem mundial é inevitável”. Neste encontro estavam cientistas políticos, estadistas, homens de negócios e representantes de vários outros domínios, vindos de todas as partes do globo.
O Movimento o Russófilo Internacional é uma organização com membros fora do país, que apoiam e se identificam com as políticas russas, é na verdade um canal de extensão da Política Externa russa levado à cabo por cidadãos russos e não russos, num claro mecanismo de o país liderado por Putin procurar alargar o seu campo de influência na esfera global. Por sua vez, o Fórum da Multipolaridade éum evento que pretende alavancar todas as iniciativas de massificação de todos os mecanismos de multipolarização da Ordem Mundial. Estes dois eventos acontecem exactamente num período em que os BRICS estão sob liderança da Rússia, o que revela maior exposição do país na esfera global, ambos juntaram diplomatas seniores de mais de 130 países e terminaram no dia 27 de Fevereiro passado.
Curiosa e estrategicamente, no dia 1 de Fevereiro iniciou um outro evento na Rússia denominado Festival Mundial da Juventude, se no primeiro evento estiveram presentes mais de 350 líderes em exercício, entre africanos, europeus, asiáticos e americanos, no segundo tivemos a participação de cerca de 20 mil jovens entre russos e estrangeiros. A visão do evento é clara, juntar o futuro das lideranças destes países na construção de um mundo melhor, estiveram na Rússia jovens empresários, estudantes e futuros diplomatas. Estes eventos, principalmente o da Juventude, é um grande exemplo de como utilizar o soft power para a prossecução dos objectivos de política externa da Rússia, através do mesmo, a Rússia aumenta o seu nível de penetração na esfera global com vista a ganhar mais protagonismo como resultado da decadência da hegemonia ocidental pelo menos ao nível de influência política.
Um aspecto no mínimo interessante é que estes eventos de grande magnitude ao nível doméstico e externo acontecem no período eleitoral, de 15 a 17 de Março a Rússia vai a eleições presidenciais que têm no presidente Putin o grande favorito. Um dado importante é a aparição dos líderes russos nestes eventos, aliás, se o Congresso do Movimento Internacional Russófilo e Fórum da Multipolaridade tiveram a presença do executivo máximo da Rússia, o Festival Mundial da Juventude também contou com a presença da máxima liderança russa e teve abertura oficial bem como a cerimónia de encerramento feitas pelo próprio chefe de Estado, Vladmir Putin. Foi um momento de efusão onde os mais de 3 mil jovens, que foram escolhidos à dedo para participar das cerimónias, viram-se envolvidos numa atmosfera pro-Putin com cânticos sobre a Rússia e o respectivo presidente.
Mas o que a Rússia ganha com este festival?
A resposta é simples: PRESTÍGIO.
Pode parecer algo simples e sem grande impacto mas juntar jovens de todo o mundo num território e se o evento for organizado ao mínimo detalhe como foi o Festival Mundial da Juventude, o país aumenta o seu prestígio a todos os níveis. Em Política Externa os estados utilizam vários meios para a prossecução dos seus interesses, destes meios ou instrumentos encontramos os pacíficos e não pacíficos. A realização deste festival por parte da Rússia configura-se no uso de um instrumento pacífico de Política Externa para o alcance dos objectivos do país, no caso a diplomacia através do Soft Power, ou se preferirmos o Poder Brando, que na definição de Joseph Nye, um renomado cientista político norte-americano e um dos precursores das teorias da interdependência complexa e do neoliberalismo nas Relações Internacionais, é a habilidade de um actor modelar os desejos do outro, ou seja, é gerar tamanha atracção que o outro escolhe seguir seu exemplo.Nye destaca três fontes do poder brando nomeadamente a cultura, os valores políticos e a política externa. E é exatamente isto o que aconteceu durante festival: ao nível cultural, a Rússia de forma estratégica exibiu a sua diversidade cultural, os hábitos e costumes das suas 21 repúblicas espalhadas pelas 6 províncias; na vertente política foram organizados vários painéis de debate sobre assuntos relacionados ao processo de criação do Estado russo, a sua cooperação com todos os estados e povos desde os primórdios, o processo de apoio aos vários países na luta pelas suas independências até ao contexto global na era contemporânea; em relação a Política Externa, a Rússia deixou claro que pretende ser amigo de todos os povos tanto é que o lema do evento era “Let´s Start the Future Together” ou “Vamos começar o futuro juntos” (tradução livre), este lema convida a várias interpretações e análises sobre a mensagem que a Rússia pretende deixar para o mundo.
A Política Externa russa foi das mais beneficiadas na medida em que a sua imagem foi divulgada pelos vários canais digitais e perfis sociais dos jovens que participam do certame. Ainda no que diz respeito ao prestígio, um dos maiores ganhos que a Rússia teve e está a ter por meio da realização deste festival é a transformação da imagem global que os participantes tinham do país, se os jovens chegaram a Sochi (a sede do evento) com a percepção de estar num país belicista, os mesmos foram dia-após-dia mudando esta percepção e viram o gigante europeu como um amigo dos povos e um actor relevante na construção de um mundo melhor. Aliás, os milhares de voluntários que estiveram a trabalhar activamente no festival foram uma extensão da transmissão de uma mensagem colorida sobre a Rússia e ao final de 7 dias, foi interessante ouvir as respostas dos jovens que participaram do festival quando questionados sobre o que achavam da Rússia, entre tantas respostas positivas alguns diziam que era um país fantástico, outros que o seu líder era um exemplo para o resto do mundo e houve quem disse que gostaria de regressar ao país mais vezes.
É este prestígio que o Estado como um actor racional das relações internacionais deve procurar sempre ter na esfera global, a propósito deste elemento, Hans Morgenthau apresenta, em sua obra a Política entre as Nações – A Luta pelo Poder e pela Paz, o conceito de Política de Prestígio que consiste na tentativa de uma nação (ou de um conjunto de nações) tentar convencer outras nações sobre o poder que possui, que acredita possuir, ou mesmo que deseja possuir. É uma busca de reputação internacional que vai de encontro com a ideia de Thomas Hobbes de que reputação do poder é poder. Muito se pode dizer sobre os ganhos da Rússia neste festival mas termino com um elemento interessante envolto a todo este momento, os participantes deste final vêm de várias esferas de acção e influência nos seus Estados e a hospitalidade com que foram recebidos na Rússia pode servir de um elemento catalisador no processo de tomada de decisão no futuro em relação a um possível acordo com a Rússia, afinal estamos a falar de jovens que na sua larga maioria são aspirantes a diplomatas e líderes nos seus países de origem.
Este evento representa uma grande lição para os estados, uma lição de como o soft power, pode contribuir para o cimentar da posição de um Estado no Sistema Internacional.
Referências
Morgenthau, H. (1972) A Política entre as Nações – A Luta pelo Poder e pela Paz. Random House; 5ª edição
Sperancete, L. (2021) The inTernaTional poliTics undersTood as The policy of power: Theorical principles of The poliTical realism. São Paulo
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